O Maquinista

Cena do filme Conta Comigo (Stand by Me), de 1986.


Em Salgueiro de frente para o saudoso número 222 da Francisco Correia passa uma linha férrea. Num passado recente, importantíssimo ponto de referência em épocas sem GPS ou Google Maps. A linha do trem era um caminho de aventuras estilo Conta Comigo, quando a seguíamos não para encontrar adolescentes mortos, mas carcaças de boi e fetos. Soltar pipa. Às vezes um simples descarrego de nossa selvageria infantil.

Esses dias descobri um colega de sala que, vejam vocês, já foi maquinista de trem. Falou das dificuldades de pilotar um trem mecânico e controlar sua cauda entre outras coisas. Lembrei d’uma das muitas ocasiões onde o trem foi o maior evento n’uma ensolarada manhã dominical, na nem sempre tão pacata Francisco Correia.

Como de costume, ao menor sinal da chegada daquele boitatá de metal, tudo se alvoroçava. Cachorro corria. Famílias nas portas e janelas. As crianças... ah as crianças. A gente enlouquecia! Colocávamos nos trilhos garrafas para fazer cerol, parafusos que esmagados se convertiam em serras, pedras a serem lançadas aleatoriamente após contato com a roda do trem. Por fim, como guiados por um transe da ira, jogávamos tudo pelo nosso caminho nos vagões que passavam. Latas, pedras, garrafas, terra, madeira, tudo possível de ser arremessado.

Nessa manhã em especial a ferocidade parecia acentuada. A preferencia por tijolos de barro e paralelepípedos era clara. Talvez o barulho fosse mais bonito, mais afinado, não sei. Booooom. Booom. Pegando todos de surpresa o trem foi parando e às pedras também. A sinfonia chegou ao fim. Desceu um homem da cabine. Olhava ao redor. Procurava algo e logo escolheu um rumo. Atravessou a rua. Não lembro o rosto dele. Usava barba e vestia azul? Talvez nem tenha existido. Não falou com ninguém. Medo no ar... Chamaria a polícia? Caminhava a passo firme. Entrou no bar de Zezinha tomou duas lapadas de cana. Puras e quentes, como cachaça deve ser tomada. Com o mesmo ímpeto inabalável voltou para o trem e sumiu.

Por Rodolfo Nícolas

2 comentários:

  1. PARABÉNS RODOLFO, BELA HISTÓRIA DE UMA INFÂNCIA FELIZ, BRINCADEIRAS PRAZEROSAS E SAUDÁVEIS, LEMBRANÇAS DE ALEGRIA,FELICIDADE, NÃO SENDO BOAS LEMBRANÇAS, FELICIDADE DE OUTROS JOVENS QUE MORRERAM, UTILIZARAM AQUELE ESPAÇO PARA USAREM DROGAS!

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  2. Me remeteu a um passado de uma infância que apesar das loucuras foi muito bom!

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