Na Praça da Catedral, marco zero de Salgueiro, quase em frente a
casa onde nasceu o escritor Raimundo Carrero, a poetisa Raiza
Figuerêdo concedeu entrevista ao cerebro y tripas sobre sua
trajetória literária. Psicóloga, doutora em psicologia, professora
e arteterapeuta em formação, Raiza falou sobre os primeiros passos
na escrita, as formações na área, criatividade e sobre o primeiro
livro, O Coletor. Veja a seguir.
Cyt: Quando você começou a escrever?
Raiza: Eu escrevo desde sempre, mas de 2014 para cá eu
comecei a procurar cursos. Fiz um curso chamado Pegadas da Escrita,
lá em Recife. Fui para o Laboratório Ascenso Ferreira, que é o
laboratório do Sesc. Fui procurando os eventos literários que
aconteciam, principalmente em Recife. E fui buscando, realmente, ter
mais a base teórica, exercitar também, ter exercícios de escrita.
Em 2016 eu fui fazer a oficina com Raimundo Carrero, que é escritor,
é conterrâneo, é daqui de Salgueiro e muito me orgulha dizer que
fui aluna dele na oficina de criação literária. Então, eu fui
enveredando, fui atrás da literatura, fui atrás de desenvolver essa
prática que todo mundo dizia ‘ah, você escreve bem… você gosta
de escrever...’. Eu escrevia mensagem de formatura, mensagem de
aniversário, até lembrancinha quando alguém falecia na família.
Diziam ‘bota para Raíza escrever’. Realmente, sempre gostei
muito de português, redação, história, as matérias das ciências
humanas que eu mais gostava. Eu sou atravessada pela escrita desde
sempre. Mas, de fato, eu fui desenvolvendo mais isso, tem cinco anos.
Eu digo que 2014 foi o marco.
Cyt:Você começou a focar seu desenvolvimento como escritora
profissional, no aspecto de formação mesmo.
Raiza: Isso. Só que nesse começo eu, ainda, não tinha tanta
clareza que era tão profissional assim. Até o pessoal do grupo, que
eu faço parte desse grupo até hoje, Pegadas da Escrita, e aí
Rogério Generoso, foi meu professor nesse curso, ele dizia assim:
‘poesia é coisa séria, viu?’. Porque eu mudei de tema no
doutorado por causa da poesia e por causa, também, da docência. Eu
estudava gênero e depois que comecei a participar do curso e eu
também estava dando aula como professora substituta no Centro de
Educação e nesse trabalho eu comecei a me sentir requisitada como
eu podia envolver os alunos, dar uma aula melhor e isso foi me
despertando para a criatividade. E juntou a docência com a
literatura e aí eu digo assim, que a poesia foi me ajudando.
Cyt: Então, na literatura você começou com poesia?
Raiza: Com poesia, embora eu
já escrevesse crônicas. Em 2011, eu criei um blog chamado Poesia em
Palavras. Mas aí fui fazer mestrado e dei uma parada nos textos. Só
que eu vi que sempre que eu estava com um pouco mais de tempo é como
se a poesia aflorasse, ou
me deparava com alguma situação que eu estava muito mexida
internamente, então eu via que o lado escritora era para onde eu ia,
sabe? Não que os outros lados não me realizasse. Me realizavam
também, mas eu via que ia para a arte, sabe? É como se me desse
mais chão, mais enraizamento.
Cyt: En - raiza - mento, de Raiza.
Raiza: É exatamente isso.
Que é de Raiza. Uma coisa que enraíza. Que eu trabalho muito. Eu
escrevo crônicas, mas eu digo que o meu impulso é poético. As
minhas raizes estão na poesia. Porque eu acho que a minha forma de
olhar o mundo é poética. Embora eu traduza isso, também, na prosa.
Embora
minha poesia algumas pessoas classifiquem
como uma poesia em prosa, um poema em prosa, então, eu sou, na
verdade, meio misturada, sabe? Mas eu digo que as minhas raízes elas
estão na poesia. Isso eu tenho muita clareza.
Cyt: Mas na oficina com Raimundo Carrero você também trabalhou a
questão dos contos, o romance?
Raiza: Sim, trabalhei os
contos. O romance não. A gente estuda o romance com ele, mas eu
nunca escrevi um romance, também eu comecei a escrever mais
profissionalmente tem coisa de uns quatro ou cinco anos.
Sim… eu lembrei agora porque
eu estava falando da história do profissionalmente (psicólogo vai
fazendo associação…), deixa eu fazer essa ponte.
Cyt: Certo. Sem problema.
Raiza: Quando eu comecei a
fazer a oficina Pegadas da Escrita, eu não tinha a clareza que ia
tomar essa dimensão que tomou, tá entendendo? Aí onde eu disse que
esse colega falou ‘poesia é uma coisa séria, Raiza’. Então, eu
comecei dizendo ‘não, eu tô fazendo um curso na Boa Vista’,
sabe aquela coisa ‘tô indo para as reuniões’ [com um tom de voz
despretensioso]. Daqui a pouco eu havia mudado de tema de tese. Daqui
a pouco eu já estava totalmente tomada pelo bichinho da literatura.
E aí eu disse ‘a poesia é coisa séria mesmo’.
Cyt: Já havia começado a formação em arteterapia?
Raiza: Não. Eu comecei
depois do doutorado.
Cyt: Mas foi também uma repercussão da poesia e da literatura?
Raiza: Com certeza, porque
tudo na minha vida foi se encaminhando para isso. Me aproximei de uma
área nova da psicologia que é a psicologia da arte que é uma
paixão, uma área que precisa ser estudada e aprofundada. Saiu a
publicação de O Coletor. Fui fazer a formação de arteterapia.
Então, os caminhos foram se cruzando cada vez mais.
Cyt: O coletor lhe trouxe para Salgueiro de uma forma diferente
como escritora, numa Bienal, as pessoas lhe procurando para lhe
entrevistar, inclusive, você fala sobre aspectos da cidade pequena
da sua infância, no livro.
Raiza: Interessante isso que
você traz. Eu estava me organizando para lançar o livro em
dezembro, perto da virada de ano que é quando eu venho. E veio esse
convite. Eu nem sabia que havia a Bienal. Pra você ver, acredito
muito no conceito de Jung de sincronicidade. Não é só um conceito
é uma vivência também. É algo que lhe afeta. Algo que é prático,
da experiência. Da dimensão do vivido, mesmo. Acontece de eu estar
divulgando o livro, aí veio o convite para
mim através de uma prima. ‘Fulaninha’ está organizando e quer
saber se você tem interesse de ir para a Bienal. ‘Vamos simbora’
[respondeu].
Um mês depois de eu ter lançado o livro em Recife, eu estava aqui
[em Salgueiro]
numa Bienal. Na
poesia, a gente trabalha muito a dimensão do sensível. Foi algo que
me afetou muito e me deixa muito alegre poder estar trazendo um
produto, uma obra, algo que eu trabalhei com tanto amor, tanto afeto
e poder estar voltando para Salgueiro, mostrando para as pessoas. Fui
a programa de rádio, memórias do meu pai, vai tudo se misturando,
meu pai faleceu quando eu tinha dois anos de idade, e um colega dele
me entrevistou na rádio, tudo isso é a minha história. Muito
intenso e muito profundo. Muito bom.
Cyt: Apesar do curto período de tempo de formação que você tem
dentro da literatura, as coisas se encaminharam de uma forma muito
intensa. Por que em pouco mais de quatro anos, você já lançou um
livro e está participando de bienais. Eu não sei se você já
estabeleceu uma rotina como escritora. Com que frequencia você
escreve?
Raiza:Varia muito. Eu sempre
estou atenta. Estou aqui e estou vendo as pessoas na calçada. Mas
isso não é a escrita. Coletando, sentindo. Não posso dizer que
tenho uma rotina, embora tenha me trabalhado para isso porque eu
aprendi isso com Carrero. É disciplina. Como todo ofício você tem
que se dedicar, para tentar produzir sempre mais e melhor. Eu gosto
de gravar quando não estou com o caderno. Não gosto de perder a
ideia. Estou me organizando para isso porque acho muito importante. O
site raizafigueredo.com eu queria alimentar mais. Foram várias
demandas agora e quando serenar mais quero ter uma rotina.
Cyt: Queria saber se a psicologia tem alguma influência no teu
processo de escrita e se a psicóloga Raiza aparece de alguma forma
nos poemas do livro O Coletor.
Raiza: Aparece totalmente.
Como eu disse a você eu sou uma pessoa muito misturada, embora eu já
tenha, em alguns momentos da minha vida, recebido várias críticas
em relação a isso. Mas acho que as críticas são porque a gente
vive numa sociedade de uma hiperespecialização. Então, às vezes,
quando eu me apresento como psicóloga, poeta, professora [...] ‘como
assim? É desse tanto de coisa? E dá para ser?’ Eu sei que são
coisas que têm suas especificidades, claro que tem, sim, mas eu
penso que são coisas que podem conversar também. Eu sou do diálogo
e das conversas. Tem muito da psicóloga no livro porque eu não
consigo, quando eu estou escrevendo, e nem acho que deva fazer isso:
aqui
é a escritora e não a psicóloga. Eu sou tudo misturado. Eu sou
tudo ao mesmo tempo. Claro que, em alguns momentos aparece mais a
psicóloga, no momento em que eu estou como psicóloga, efetivamente,
no espaço; no livro, vai aparecer muito mais a escritora, claro. Mas
a psicóloga também está ali. Tanto é que muitos dos poemas
desembocam na reflexão do eu.
Cyt: Você coleta, naturalmente. É uma coisa natural. Não é uma
estratégia. É um movimento natural seu, me parece. Mas, você tem
alguma estratégia para alimentar sua criatividade? Ou você não
precisa de estratégia?
Raiza:Todo mundo precisa,
né? Porque o próprio Vygotsky que é um autor que eu estudei, que é
uma referência pra mim, ele diz que a gente tem que estar
alimentando senão morre. É uma planta. Se a gente não ficar
cultivando…
Cyt: Você tem alguma estratégia?
Raiza: Caminhar. Olhe, eu
sou a própria andarilha. De verdade. Para o trabalho eu vou
caminhando…
Cyt: Certo…
Raiza: Só se eu estiver
muito cansada aí eu não vou.
Cyt: Enquanto vai caminhando vai vendo as cenas, as pessoas…
você fala isso nos poemas, né ?
Raiza: Eu cheguei, hoje, de
tarde, eu já caminhei que só aqui [em Salgueiro]. E olhe que eu
cheguei cansada. As imagens, as memórias, as afetações, elas estão
aqui comigo. É algo involuntário. É algo que é tão natural já.
É natural, mas eu também fui estimulando. Eu tenho feito mais isso
agora em casa, ligar em canal de arte na televisão, aí tem
cachorro, gato, planta, natureza, estar em contato com a natureza.
Cyt: Você já passou por alguma angústia de não conseguir
escrever? De tentar e não conseguir?
Raiza: Algumas pessoas falam
bloqueio criativo, né?
Cyt: Sim...
Raiza: Claro que às vezes
você quer escrever mas você fica pensando, poxa, já escrevi isso,
vai sair a mesma coisa. Mas nunca é a mesma coisa. Mas acho que
nenhum bloqueio que me parasse.
Cyt: Você chega a ter um senso cruel, crítico? Ou não, você é
generosa com você quando está escrevendo.
Raiza: A gente tem que
balancear isso aí porque
se você caí numa crítica demais, isso fere, bloqueia a própria
criatividade. Você não vai conseguir escrever se ficar o tempo
inteiro se criticando
demais. Ao mesmo tempo, a crítica é importante porque estimula a
criatividade. Eu acho que é sempre um equilíbrio que a gente tem
que ter.
Cyt: E como é que foi escrito O Coletor?
Raiza: Ele foi escrito entre
2014, exatamente o período que eu passei a investir
profissionalmente na literatura, embora como eu falei no começo eu
não tinha essa clareza que eu ia levar tão a sério e acabei
levando muito a sério. E é muito bom ter essa clareza hoje. E aí
foi até 2016. Na verdade, eu o escrevi, a princípio, para o prêmio
do Funcultura. Submeti para concorrer. É uma coisa até que eu
procuro refletir. Fiquei pensando, poxa, teve que ter um edital para
eu poder organizar o material. Quer dizer, se não fosse esse edital,
será que eu ia ter parado? Ficou guardado o livro. Eu levava para os
encontros desse grupo que eu faço parte que é o Pegadas da Escrita.
O pessoal gostava muito. Isso com o passar do tempo porque
tudo é fruto de muito esforço. De muito investimento. Eu fui
amadurecendo esses poemas e quando eu acabei o doutorado eu disse ‘eu
quero publicar. Vou fazer 30 anos ano que vem e quero publicar o
livro’. Mas a versão de 2016 é, praticamente, a mesma de agora.
Porque quando eu levei para a editora eu já tinha muita clareza do
que eu queria.
CytE: Como está sendo pra você circular com o livro?
Raiza: Tem sido um desafio
maravilhoso porque são exercícios de romper barreiras, de conhecer
pessoas. Tenho recebido muito acolhimento por onde eu passo. Poxa, é
meu primeiro livro, mas é uma estrada curta, imagina os escritores
que passam 30, 40 anos?
Tem
gente que só vai ter o reconhecimento quando morre. Eu sou uma
pessoa muito determinada. O livro tem sido muito bem recebido. Sou
uma escritora principiante. É meu primeiro livro. Saíram matérias
no Jornal do Commercio, no Diario de Pernambuco, recebeu um voto de
aplauso da Assembleia. Eu só tenho a agradecer. Muita gratidão. É
uma palavra que todo muito está falando, mas é uma palavra que,
realmente, está fazendo muito sentido. Agradecer nunca é demais.
Gratidão mesmo.
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