Basta você, o resto é nada!

(Mais uma crônica inédita da jornalista, antes de tudo poetisa, Sáride Maíta, no cerebroytripas. Colaboradora do blog direto de São Luis do Maranhão.)

“Pies para que los quiero se tengo alas para volar”. Frida Kahlo


Não é o tempo, tão pouco os km, que separam a gente. Lembro o exato momento que o vi, pela primeira vez. Não fazia muito o meu estilo. E confesso em segredo que faz um pouco menos hoje em dia. Sabe aquele sorvete delicioso no meio da praça numa tarde de sol? Era de chocolate, sempre preferi morango. No bolo também, na bebida também, no desenho, na gelatina, no espetinho e na vida. Lembro o exato momento que provei um morango in natura a primeira vez. Recife, seis anos, uma enorme feira e eles lá, vermelhinhos na embalagem transparente, aguardando ansiosamente a minha chegada – sim, ainda escuto o que conversavam. A mão na barra de um vestido e o pedido “Vó, compra esse morango pra mim”. A recusa! Morango nunca foi muito barato e vivíamos tempos de um Brasil Azul e Amarelo - para comer morangos (a fruta mesmo), só tendo parentesco pelo menos de segundo grau com algum coronel ou sendo de uma família abastada, de nome e sem possibilidade de falência. Na minha mesa, banana, laranja, maçã, mamão, umbu, melancia, seriguela, manga e milho – quando era tempo de dona Diolinda colher do pé. A seca batia forte, sertanejo carecia ser criativo, mas morango mesmo só em mesa de rico. Insistente que sempre fui, não voltaria do Recife sem comer meus morangos. Era quase um dever cívico espalhar dentro de mim aquele aroma e perfume que exalava próximo à loja de tecidos. “Vó, só uma bandeja”. Um coração mole, morangos na sacola e um apartamento que nunca chegava. Até que azedou a alma. Não era doce como no biscoito, nem cremoso como no sorvete. Algumas horas depois ganhei mais duas unidades acompanhada de uma caixinha de creme de leite (que espécie de criança foi um adulto que compra, invés de um leite condensado, uma lata de creme de leite para uma criança comer morangos?). Minha primeira decepção amorosa foi aos seis anos de idade, não pude manifestar e tive que agradecer para manter a etiqueta. Tão cedo fui convidada a comer a fruta novamente – ao que recordo, pela escassez de recursos. Ainda teríamos uns 7 anos de FHC no poder, faltava tempo suficiente para morango caber na feira lá de casa. Comi. Gostei. Tinha um sabor cítrico ainda estranho, refrescante, agradável de morder era prazeroso sentir o líquido sendo esmagado pelos dentes, enchia boca e espirito. Um tipo de amor amadurecido. Não é o tempo que separa dois corações apaixonados. É o peso do amor que já não é, que transformou, que perdeu o desejo e, talvez por coragem ou aquele velho e necessário ‘um minuto de loucura’, tenha levantado da mesa para dar espaço a alegria. Ficou vazia, o vazio causa estranheza, a estranheza carrega certa tristeza e “ninguém é feliz sozinho”. Bom mesmo é ser infeliz em casal, assim você tem em que colocar a culpa pelas suas frustrações com a desculpa covarde do “ter alguém para apoiar, para cuidar”. Virou babar, pessoa? Recebe quanto para ser apoio porque a essa altura o ‘pagamento em sexo’ já não tá compensando. Final do dia, o abrir da porta, dois pratos na mesa, as latidas do cachorro, a sirene do forno, um beijo na sala. Ei, não quer dizer que tem amor na mesa. Nem que a vida deve parar porque suas noites estão livres e prontas para serem vividas. Cooorre, criatura, enche o copo, compra passagens, arruma a mochila. Vai viver! Não é o tempo, nem a quilometragem, que separa a gente. Mas sim o peso do amadurecimento. É mais que mais de 10 anos. As torres gêmeas, as sucessivas enchentes no sudeste, a crise mundial, a fome, dois papas, a eleição do primeiro governador comunista do Brasil, a queda da família Sarney, a crise econômica no Brasil, aplicativos de paquera, coreografia para passeata, os protestos da elite burguesa e eu, que amei o mundo inteiro, nunca consegui esquecer o menino que era para mim como um sorvete de chocolate. A cabeça emudece ao tentar encontrar uma resposta feita e não repetitiva. O tempo passa! O menino cresceu. Tirou outra menina para dançar ciranda. Acomodou. Petrificou. Morreu. E você continua viva, as companhia aéreas oferecem ótimas promoções e o mundo é grande. Falta apenas a coragem na mochila para ser feliz. Você não precisa da autorização de ninguém. Basta você!

2 comentários:

  1. Excelente crônica! Me perdi um pouco pelo meio, mas me achei no final. :) Continue escrevendo, por favor.

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  2. Memórias... coisas boas de se compartilhar; eu gosto...

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