Estava em Roma quando recebi uma
mensagem de uma amiga com um trecho bíblico que fala sobre o naufrágio de São
Paulo na ilha de Malta.
Achei que poderia ser um sinal de
que, assim como São Paulo e o restante da tripulação foram bem acolhidos pelos
nativos, que acenderam fogueiras, talvez, eu também tivesse uma boa recepção,
na ilha.
Por coincidência, na primeira
semana em que estive em Malta, a população celebrava a festa do naufrágio do
apóstolo que partia em uma embarcação com quase 300 pessoas de Cesaréia, em Israel, em direção a Roma. O objetivo era apresentar-se no tribunal romano para serem julgados, mas antes disso, foram atingidos por um
temporal.
Como sou admiradora da
psicanálise, impossível ignorar a simbologia dos acontecimentos. Meu
desembarque na paradisíaca ilha foi bastante tempestuoso. Meu cartão se
recusava a sacar dinheiro, o transfer não me pegou no aeroporto e eu já vinha
com o sentimento de frustração por ter perdido o trem de Verona para Roma, duas
noites anteriores.
Sentei e chorei sem reservas e
sem constrangimentos. Uma sensação de que as coisas sempre davam erradas
comigo. Meu cabelo estava horrível. Minha pele, também. Conseguiria me abrir a
novas amizades? A essa altura os sentimentos se misturavam.
Viajar já nos fragiliza. Viajar
sozinha, então, nos fragiliza ao cubo.
Nessa mesma noite, conheci minhas
companheiras de apartamento, com quem iria conviver por um mês. Definitivamente,
não sou resiliente e tenho dificuldade em me adaptar às situações adversas.
Minha primeira semana em Malta
foi solitária e frustrante. Não me integrei com as cazaques, a turca e a
colombiana, com os cigarros, as garrafas de cerveja espalhadas pela cozinha e
varanda, a música alta e a falta de privacidade pois, sempre, estava cheio de
rapazes no apartamento.
Mais do que uma semana eu não
suportaria. Mudei de apartamento. Foi quando as coisas começaram a se encaixar.
Meu cartão, ainda, não funcionava, mas consegui que um primo me enviasse
dinheiro pelo Money Gram e, na nova hospedagem, conheci Carmem, uma italiana
inteligente, tranquila e muito engraçada.
Carmem foi um dos portos onde
ancorei, em Malta, e, ao lado de quem passei bons momentos como passear sem
rumo, em Valleta, comer os melhores peixes da minha vida, em Marsaxlok e em
Gozo, degustar uma pasta a carbonara feita por ela, conhecer as lojas mais
populares no país e buscar promoções pelos centros comerciais.
Depois dessa primeira semana, a tempestade
passou e a necessidade me fez reaprender a confiar nas pessoas, a acreditar no
ser humano e em mim.
Carla, Fabiana, Adriana, Manuel,
Jairo, Jan Habib, Sabrina, Geórgia, os colegas de sala, a professora Corina, tantos
outros com quem cruzei num ‘Hello, are you ok?’ ou em um pedido de informação,
todos foram portos e faróis e a música ‘Lanterna dos Afogados’ de Paralamas do
Sucesso, pela primeira vez, fez sentido para mim.
Cheguei chorando. Também, saí
chorando, mas, dessa vez, por saudade das colegas de apartamento e das belezas
naturais de Malta, da rotina que estabeleci por lá, do mar e das praias
pedregosas, do italiano de Carmem e, é possível, que tenha sido um choro de
satisfação por ter enfrentado as tempestades e encontrado soluções, pessoas e
experiências.
Tem sempre alguém esperando a
oportunidade de ajudar, de ser cais, de ser lanterna e, espero que, em algum
momento, eu tenha sido porto para alguém.
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Você sempre foi meu porto. Aquela para quem eu sempre corro, pois sei que nunca haverá crítica, retaliação ou estranhamento. Você, com sua mente filosófica e altamente desenvolvida, me compreende como ninguém. Até em poesia já me traduziu, é isso é dessas coisas que a gente não esquece jamais. Você foi meu porto seguro e sempre o sera, pois tem a tranquilidade que a minha impulsividade louca não me deixa ter. Minha amiga, minha irmã, minha francesa - te amo e te admiro. Como um marinheiro solitário se encanta ao ver o farol em plena escuridão.
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