A Mulher do Tempo é um desabafo melancólico sobre o passado

 




Um dos vencedores do 7º Prêmio Hermilo Borba Filho de Literatura, o livro de poesia A Mulher do Tempo, da pernambucana Renata Santana, conversa com e sobre o tempo, em meio ao desconforto da finitude e decadência de tudo. É um conflitante relato sobre prender-se ao passado, o medo do futuro e um presente superficial, esgotado em virtualidades. Nem precisa dizer que as matérias-primas desse trabalho são a saudade, a angústia e a dificuldade de mudar.


Os títulos dos 4 capítulos dão pistas importantes para onde se dirigem sentimentos e memórias e por meio de quais veículos eles se locomovem dentro dos poemas: a cidade do Recife, os relacionamentos amorosos, a ânsia por mudança e a internet.


Em ‘Mercúrio retrógrado’, a voz poética orbita o passado e se recente pela efemeridade da vida, numa conflitante dinâmica de contrários: concentração e dispersão, completude e incompletude, passado e presente, daí vem o título do capítulo que se refere à inversão do curso habitual do planeta Mercúrio. No caso de ‘A Mulher do Tempo’, é uma inversão com consequências, nem sempre positivas, como uma comida queimada no fogão, uma mulher que é alvejada, em um assalto, por olhar para trás ou uma vida estagnada. Tudo isso pela dificuldade em sincronizar o tempo de sua subjetividade com o tempo do calendário, num verdadeiro descompasso, embora haja o desejo de movimento e mudança.


Nesse primeiro momento, a saudade da juventude e o medo da velhice transitam pela cidade do Recife, em ruas e avenidas, em Olinda, em cinemas e auditórios da TV Jornal. Um cenário complexo de Recifes dentro do Recife ou de uma mulher que passa dentro de um bloco que passa em um Carnaval que, também, vai passar, num looping infinito, em que quanto mais se tenta fugir de si e do tempo, mais se depara consigo e seus medos.


O fim é a tônica em ‘Temporã’. Partidas, separações, abandonos, “tudo o que afundou”, desmoronou e, novamente, o medo. Uma mulher apaixonada situada no antes ou no depois, mas nunca no hoje. Temporã é, justamente, o que amadurece antes ou depois do tempo próprio. Finalmente, a mulher do tempo mostra o seu rosto por inteiro e revisita os amores antigos, as primeiras experiências sexuais e de relacionamentos, muitas das quais deixaram feridas, ainda abertas.


A terceira parte do livro é uma sala de ‘Ex-votos’, onde são acomodados a infância, o aprendizado recebido dos pais, dos avós e das gerações anteriores e a morte. Quem já visitou locais de peregrinação, provavelmente, conhece os ex-votos, réplicas em madeira de partes do corpo de alguém que alcançou uma graça. O primeiro poema traz como analogia um espaço interior onde se guarda partes resgatadas de si e, ao mesmo tempo, se deposita tudo o que se perdeu para o tempo: o piano, a casa, o relacionamento e a sabedoria das gerações anteriores. E, como em poemas anteriores, a vida se repete a cada nova camada, sem saída.


Finalmente, em ‘Futurista Retrô’, ‘A mulher do Tempo’ completa um giro de 360º, como na passagem de ano, o encontro com o recomeço. A obsolescência da tecnologia é a própria obsolescência do tempo e, por conseguinte, da vida. As experiências estão marcadas pelas redes sociais, aplicativos e as novas dinâmicas das relações familiares e em sociedade. A vida acontece no Google, nos grupos de bate-papo, nos aplicativos de conversa, no Uber, entre uma curtida e outra. Entre trocas de fotos e áudios, são tantas as memórias compartilhadas on line que se esgotam os encontros no mundo real.

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