‘Manuscritos em Grafite’ de Rejane Paschoal traz um olhar sensível sobre a morte e a memória


 

“Manuscritos em grafite” é daqueles livros empoeirados, com cheiro de passado e ilustrações em preto e branco. Cada conto é o retrato de uma lembrança escavada do esquecimento, uma operação que exige silêncio e solidão.


Nesse trabalho de Rejane Paschoal, um dos vencedores do 3º Prêmio Pernambuco de Literatura, os personagens transitam de um conto para o outro: a menina sepultada, o menino morto, as filhas de Ritinha, as rachaduras, os noivos, os retratos. E a casa. Que pede socorro. E desmorona. Soterra identidades, nomes, histórias de vida, num desabar tão indigno quanto o de um cachorro que morre a madrugada inteira sozinho, agoniado em se esconder do próprio fim. Da janela do quarto, a mulher via o artista morto, na sarjeta, e que, também, devia ter morrido a madrugada inteira, em uma agonia solitária, tentado se esconder do próprio fim.


A casa é, por demais, viva e, por demais, decadente para ser um mero cenário. É tão protagonista quanto a voz que dá unidade às narrativas, pois é a estrutura que sustenta os retratos resgatados dos escombros de outras casas. É o elo com o passado que, ora precisa submergir, ora precisa ser enterrado. E, finalmente, dialoga. Conversa com o senhor enterrado sob livros; com uma velha senhora sozinha e delirante, em meio a utensílios danificados pelo tempo; e com uma família vivendo a negação de um luto. Fala, até mesmo, através do silêncio de uma casa ameaçada por rachaduras e que tem, em sua entrada, uma única cadeira, frágil demais para sustentar uma visitante.


Uma personagem relevante, embora subestimada pode surpreender os desavisados. Talvez, numa segunda ou terceira leitura, a criança seja notada. Ela se sente culpada pelo destino do adulto. Resiste em partir para, assim, libertar a mulher. Quer falar sobre as equilibristas, mas não pode. Quer brincadeiras tão divertidas quanto as dos meninos. Habita um corpo morto.


“Manuscritos em grafite” é o retrato da quarta-feira de cinzas depois de um Carnaval. E é, ao mesmo tempo, a redenção de corpos e seus nomes - da autora, das personagens, do leitor. Confronta o homem e a mulher com a criança que, um dia, foram, em um acerto de contas decisivo.


“Manuscritos” é um ‘inventário’ de histórias. Um catálogo de lembranças. Visita antepassados, acolhe a solidão da velhice e, acima de tudo, olha de forma respeitosa para o fim, tocando com muita sensibilidade nesse tema tão espinhoso para existência humana que é a morte.



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