Uma conversa sobre o tempo com a escritora Renata Santana

Renata Santana em uma apresentação no Sarau Erotikuzinho, organizado por ela, desde 2018.


Escritora, atriz e jornalista, Renata Santana (Recife, 1986) é nome conhecido nos eventos literários de Pernambuco, recitando e performando poesia, desde os 20 anos. Multiartista e profissional, a, também, bibliotecária, publicou os livros "Na terceira margem do agora", no gênero de contos, além de "O amor na 5ª série aos 30”, “Leviana na savana”, “Eu me lembro” e "A mulher do tempo", todos de poesia. Esse último foi um dos vencedores do VII Prêmio Hermilo Borba Filho de Literatura, em 2021, e o motivo pelo qual convidamos Renata para uma conversa.


A autora por trás da voz poética de "A mulher do tempo" já se destacava aos 12 anos de idade, quando recebeu uma medalha por um poema inscrito no prêmio infanto-juvenil Orlando Parahyn, em 1999. Desde então, Renata foi estreitando os laços com a literatura de forma crescente, liderando saraus, participando de prêmios literários e integrando antologias, entre elas Urutau (SP), em 2019, com “Quem dera o sangue fosse só o da menstruação”; Vacatussa (PE), em 2020, com “Abrigo”;  MTST, Titivillus-PE (Minas Editora-MG), em 2021, com "O poema se chama política", e a publicação da George Mason University/ Teatro de La Luna, EUA, em 2023, com o poema "Living voices". 


De perfil versátil, a autora transita no ambiente acadêmico como pesquisadora e, em 2020, sua dissertação de mestrado sobre o frevo e a memória coletiva recebeu um prêmio da Associação de Pesquisa e Pós-graduação em Ciência da Informação - Ancib de segunda melhor dissertação em mestrado acadêmico do Brasil. 


Dito tudo isso, é hora do "olho no olho" com Renata Santana. Escolha um local confortável, pegue uma bebida de sua preferência. Talvez, um petisco. Vamos falar sobre o momento presente e suas superficialidades, a finitude de tudo e o medo do futuro, temas presentes no livro "A mulher do tempo". 



cyt: Qual foi o ponto de partida de A mulher do tempo? 


RS: Foi quando eu decidi que iria olhar pro volume de coisas que havia escrito ao longo da vida e sentir se ali havia uma unidade de sentido entre os poemas que pudesse vir a se tornar uma publicação. Chamei um amigo revisor, o Enoo Miranda, e juntos começamos a ler o volume de textos escritos por mim dos 15 anos de idade aos 33. Enoo e eu percebemos que alguns muitos poemas conversavam sobre a memória e o tempo. Fomos selecionando esses. Aí, durante a seleção, percebi que A mulher do tempo já estava lá falando, falando há anos e eu não tinha percebido. Quando terminamos a seleção, tínhamos um volume que falava sobre o tempo dos sentidos narrados em 4 unidades de experiência que se complementam (o tempo do cotidiano, o tempo e o desejo, o tempo e a tecnologia, a memória dos objetos). Depois colhi o título do livro de dentro de um dos poemas, estava pronto, enviei para o Prêmio Hermilo Borba Filho de Literatura. O ponto de partida foi o desejo de publicar e ouvir os textos que eu já tinha.




cyt: A mulher do tempo é sobre o desconforto do ser humano diante do passado, do futuro e de um presente que nos escapa. A mulher do tempo é você, sou eu, é uma amiga com quem compartilhei a leitura de alguns dos seus poemas. Em que momento você se deu conta desse conflito e como ele repercute em sua vida? 


RS: Eu me dei conta desse conflito ainda na primeira infância, quando me percebia melancólica ao perceber a passagem do tempo. Lembro que costumava escrever em lugares secretos do apartamento onde eu morava coisas como o meu nome e a minha idade. Ou o nome dos meus pais e irmãos, o ano em que estávamos e suas respectivas idades. Depois eu voltava nesse cantinho e, secretamente, espiava: renata, 1995, 9 anos. Criando fósseis de mim mesma. Como faço hoje com a poesia. A repercussão disso é talvez um olhar atento à experiência do tempo e da memória e que uso como material para escrever e criar essa ponte entre mim e o outro. Esse tema também está no meu livro de contos Na terceira margem do agora e no livro de poesia O amor na quinta série aos 30.


cyt:  São detalhes, intimidades de uma experiência bem particular. Você chega a se sentir exposta em seus poemas? Você lida bem com isso?


RS: Nunca me senti exposta. Mesmo recitando poesia nos eventos, como faço há mais de 15 anos, mesmo lá no início de tudo quando recitei um poema meu pela primeira vez, sempre me senti à vontade. Acho tudo tão natural. Escrever, recitar, publicar textos sobre uma boneca que perdi na escola, sobre cu, sobre guerras, sobre os 6 minutos esperando um Uber, sobre sexo, se o leitor se sentir íntimo da voz poética que conversa com ele, ele também está exposto. E eu espero que seja bom. 



cyt: Não sei se você assistiu à Boneca Russa na Netflix. Se não assistiu, sugiro que assista. É o movimento do retorno. Futurista retrô parece retornar para Mercúrio retrógado e o próprio nome dessa última parte do livro dá esse indicativo. Tem a imagem das pessoas que passam, dentro de um bloco que passa e de um Carnaval que passa. Não importa para onde você fuja, vai encontrar sempre a fugacidade ou o próprio rosto ou vai retornar sempre ao mesmo ponto. Isso é bom ou é ruim?  


RS: Acho que não é nem bom, nem ruim. Só é. É a grande piada de Deus. Uma penitência e ao mesmo tempo uma dádiva. Talvez a impressão de que os poemas em futurista retrô retornam para os de mercúrio retrógrado tenha acontecido porque as unidades de experiência se complementam. Mas, penso que cada uma ressalta um tipo diferente de "passado", por exemplo, na primeira, o passado é uma impressão viva, tão viva, que é um passado-presente. Já a segunda ressalta um passado plástico, artificial, alimentado pela indústria da nostalgia e hipermediado pela tecnologia. São diferentes, mas um só existe porque o outro existe. É uma "lambança" temporal no qual estamos metidos e desse jeito seguimos fragmentados.


cyt: Em 9 edições do Prêmio Hermilo Borba Filho, apenas, 1 mulher esteve entre os grandes vencedores. No total, 4 premiadas em meio a 35 homens premiados. Você tem alguma interpretação para essa pouca representatividade de mulheres na literatura pernambucana?  


RS: Estatisticamente, as mulheres se inscrevem menos no Prêmio Hermilo Borba Filho. E dentro disso há muitas interpretações. Eu sei o motivo pelo qual eu nunca me inscrevi: baixa estima literária. A gente desde criança na escola vai lendo os clássicos onde são poucos os nomes femininos referenciados nas bibliografias escolares, sobretudo quando o conteúdo vai ficando mais adulto. Agora, é curioso que, quando criança, meus 4 livros preferidos foram escritos por mulheres. Pra mim, mulher negra vinda do subúrbio do Recife-PE, a leitura no início era: esse lugar não é para mim. Para toda plateia que encontro para falar sobre os meus livros eu destaco isso: Se inscrevam mais nos concursos! Se inscrevam! Em 2023 eu estava na banca de avaliação do Prêmio Hermilo Borba Filho. Eu avaliei mais de 80 obras. As obras continham apenas pseudônimos. Não tinha como saber o gênero do autor. Eu avaliei as obras dentro dos critérios que me foram passados pela Secult/PE. No entanto, ao fim, mais três obras escritas por homens foram selecionadas e receberam o Prêmio. Fiquei triste porque gostaria que mais mulheres tivessem suas obras publicadas. No entanto, estou certa de que são três obras de valor literário.



cyt: Quando você se dá conta que se insere nesse universo extremamente restrito, o que se passa na sua cabeça, qual o sentimento? 


RS: Quando me dou conta, eu olho bem pra dentro da memória até achar o rostinho daquela garota de 18 anos que saia sozinha da periferia da zona oeste do Recife e pegava uns dois ônibus até chegar em Olinda só para recitar poesia numa quarta-feira a noite, para divulgar os seus textos, para conhecer os poetas da cidade, olho bem pra ela e digo: - maluca, brigada! cê foi corajosa, não desanime! 


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