Em três décadas, oficina de Raimundo Carrero desvenda técnicas da escrita literária e revela novos escritores

O escritor Tiago Germano (à direita) teve seu primeiro contato com a escrita criativa em uma oficina de Raimundo Carrero (à esquerda). Germano fez doutorado na área e tem cinco livros publicados.

Em 1989, o escritor Raimundo Carrero concluía seu sétimo livro, Maçã Agreste, em meio ao aprendizado de diversas técnicas de escrita de um romance. Durante esse processo, de uma forma muito natural, com a notoriedade de quem havia recebido os prêmios José Condé (Governo de Pernambuco, 1984) e Lucilo Varejão (Prefeitura do Recife, 1986), iam sendo definidas as bases de uma escola voltada para a formação de escritores.

A primeira turma da oficina de criação literária de Carrero funcionou na sala Graciliano Ramos, na livraria Síntese, em Recife. "Em torno de dez dias da abertura das inscrições, a oficina já estava criada, já estava resolvida e eu com o currículo pronto", explica.

Em média, dois anos depois, o número de interessados crescia de forma considerável por causa da participação do escritor no Iternational Writer Program, na Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, e de uma oficina promovida pela Fundação Joaquim Nabuco - Fundaj. "A oficina disparou o interesse no país todo, até que eu comecei a ser convidado para dar oficinas no eixo Rio-São Paulo, sobretudo através do Sesc. Comecei a visitar vários estados até que fui convidado a escrever "Os segredos da ficção".

Pouco a pouco, as teorias e o método de ensino do salgueirense foram se impondo, os alunos das oficinas foram conquistando espaço e "Os segredos da ficção" passou a ser estudado, inclusive, nas escolas de jornalismo, embora não fosse esse o objetivo do autor.

 

Já são 34 anos de funcionamento e, seguindo a tendência do ensino remoto, as aulas, atualmente, oferecem a facilidade de serem on line, sem contar com a publicação de mais dois manuais de escrita.

Entre outras ferramentas, como a prática e a discussão dos textos produzidos nas aulas e a publicação anual de uma antologia com trabalhos dos alunos, Carrero usa alguns clássicos da literatura universal para o estudo das técnicas de escrita, entre eles, Madame Bovary de Gustave Flaubert e Dom Casmurro de Machado de Assis. Em sua turma mais recente foi escolhido "A história de Mayta" de Mário Vargas Llosa para a análise do personagem que muda de caráter e de personalidade, de forma frequente, no desenrolar da narrativa.“O importante é que o aluno discuta, se manifeste e debata comigo. O mais importante é isso. O que eu quero dizer é que a oficina é muito ampla e nós podemos torná-la, ainda, mais ampla e mais forte se cada aluno tiver interesse”.

De 1975 até agora, foram 24 obras publicadas, abrangendo ficção, ensaio e biografia, e nove premiações, o que o consolida, não apenas, como escritor, mas como formador de autores renomados e premiados pelo país, muitos dos quais foram influenciados a liderar suas próprias oficinas literárias.

  

 Alunos de Carrero se destacam em premiações e ensinam as técnicas da escrita em oficinas

Como resultado de mais de três décadas de oficina, muitos alunos alcançaram o objetivo da escrita profissional, inclusive, com o recebimento de prêmios e comendas. São os casos de Marcelino Freire, vencedor do Prêmio Jabuti e que, também, montou sua própria oficina de criação literária, e Rejane Paschoal, vencedora da 3ª edição do Prêmio Pernambuco de Literatura e do Prêmio de Literatura da Universidade de Fortaleza – Unifor.

O escritor Tiago Germano teve a oportunidade de ser aluno de Carrero, no ano de 2004, em uma versão da oficina feita em João Pessoa, na Paraíba, no Espaço Cultural José Lins do Rego. Aliás, foi nas aulas que conheceu sua esposa, a também escritora, Débora Ferraz, serratalhadense ganhadora dos prêmios Sesc de Literatura e São Paulo de Literatura e professora de uma oficina literária em João Pessoa.

Hoje, autor de cinco livros publicados, finalista de prêmios como Jabuti, Açoariano, Sesc, Oceanos e Ages e vencedor do Minuano, Tiago conta que, à época, tinha as mesmas incertezas que levam as pessoas a procurarem às oficinas. Ele se perguntava se o que escrevia era suficientemente bom e se um dia conseguiria realizar o sonho de publicar.

Em 2024, as incertezas, ainda, persistem, mas com uma bagagem bem maior: “Nunca mais li Flaubert da mesma maneira. A teoria de Carrero acerca de Madame Bovary e do foco narrativo no romance foi revolucionária. Foi também meu primeiro contato com a escrita criativa, área na qual somos doutores (Tiago e a esposa Débora Ferraz). Nada disso, provavelmente, teria acontecido não fosse essa oficina”.

A oficina de Raimundo Carrero, em João Pessoa, rendeu a Tiago o conto "O calango", presente em "Catálogo de pequenas espécies" (Caos e Letras, 2021), seu primeiro livro de contos publicado, e reduziu o apego ao texto. “Me ajudou a despersonalizar a crítica, algo fundamental para a evolução literária”, completa o autor paraibano.

Atualmente, Germano é professor da pós-graduação em escrita criativa da Uniesp e da oficina de criação literária da Maple Bear, ambas em João Pessoa. “Meu método é muito influenciado pelas teorias criativas de Carrero e Assis Brasil sobre o personagem. Gosto muito de colocá-lo (o personagem) no centro da criação. Conhecê-lo para a partir disso conceber a história”, conclui.

Serviço:

- Carrero publicou um vasto material para a consulta do escritor, aluno ou não da oficina: "Os segredos da ficção", "A preparação do escritor" e "A luta verbal”.

- A Oficina literária de Raimundo Carrero dura 6 meses, com aulas de 1h, duas vezes por semana. Para informações e inscrições, os interessados devem procurar Marilena. Contato: 81 9 99946881.

Confira a resenha de “Os segredos da ficção” no link: https://www.cerebroytripas.com.br/2024/01/em-os-segredos-da-ficcao-raimundo.html

Confira a resenha de "Estão Matando os Meninos" no link: https://www.cerebroytripas.com.br/2024/01/fatos-da-atualidade-e-memorias-de.html