Rejane Paschoal e a escrita do invisível. Veja entrevista com a escritora pernambucana.

 




Para a escritora Rejane Paschoal, o envelhecer, a solidão e a morte estão longe de serem assuntos espinhosos. Pelo contrário, ela escreve sobre eles com o prazer de quem insere, em seu trabalho, questões indissociáveis à existência humana e, nesse sentido, a memória é um veículo promissor onde transitam dentro do texto.


É, justamente, no passado, que Paschoal encontra uma grande riqueza de material para a sua criação. Sem dúvida, a formação em direito e em artes, a dedicação à produção plástica e os 26 anos de professora de educação artística, na rede municipal do Recife, estão presentes nos seus livros, inclusive, reconhecidos em premiações.


É a autora de Histórias de encantarerê (2011), publicado pela Companhia Editora de Pernambuco - Cepe, por ocasião do I Concurso de Literatura Infantil e Juvenil, promovido pela editora e que lhe conferiu menção honrosa.  Também ganhou o Prêmio de Literatura da Universidade de Fortaleza – Unifor, com o livro Entreguem a José (2024).


A entrevista a seguir foi pautada no livro de contos Manuscritos em grafite (2016), vencedor do III Prêmio Pernambuco de Literatura. 


cyt: As temáticas exploradas no livro são incômodas: a solidão, o declínio físico e mental do ser humano, a morte. Pessoalmente, como você lida com essas questões? Foi incômodo escrever esses contos?


RP: Não considero incômodos os temas abordados no livro Manuscritos em grafite. São temas humanos. A solidão e a morte, por exemplo, fazem parte da vida e, desde sempre, interessam muito à literatura. Escrevo com todo prazer sobre qualquer coisa que me interesse na vida, mesmo que seja a morte.


cyt: No conto 'Inventário dos retratos soterrados', a personagem decide desenterrar memórias insuportáveis. Você concorda com a necessidade de trazer esse tipo de memória à superfície? Por quê?


RP: Crio personagens sensíveis, envolvidas, preocupadas com coisas que não estão muito na superfície da nossa existência. Se considerarmos a sensibilidade média, digamos, das pessoas, elas são levadas a interesses de ordem mais práticos, como a sobrevivência. Quero saber, quero falar do que não é muito visível, refletir sobre o sentido das coisas.


cyt: A gente sempre relaciona a memória a uma experiência pessoal. Você estendeu o conceito à ancestralidade. O que a genealogia tem a ver com as temáticas do livro?


RP: É verdade, a gente sempre relaciona a memória a uma experiência pessoal. Partimos sempre primeiro da nossa individualidade. Mas somos uma construção, viemos de outros que também fizeram sua história e passaram. Contudo muito do que foram permanece, quase como alicerces de nossa identidade. Gosto de pensar nos antepassados, mesmo que as referências sejam pequenas, insignificantes. Talvez isso seja uma forma de não supervalorizar a nossa individualidade, de reconhecermos a nossa pequenez, todos passamos, eles passaram, nós passaremos também.


cyt: A personagem do último conto deseja entrar no retrato. Quer descansar ao lado dos antepassados, a avó direta, a sétima avó, tornar-se memória, silêncio. Até que ponto o passado pode nos impedir de aproveitar o presente e seguir bem em direção ao futuro?


RP: No ‘Pequena fantasia para uma morte perfeita’, a personagem encontra a forma perfeita de morrer. Penso que a sua morte pode ter se realizado apenas no lado de fora do retrato. O passado pode ser uma excelente fonte para todo escritor. Criamos a partir de memórias, vivências, sonhos, idealizações, imagens, etc. A pergunta aponta para uma espécie de prejuízo que ele provocaria em relação à vida presente e, ainda ao futuro. Não é assim que ele funciona para quem cria. O escritor aproveita a sua bagagem para criar novos sentidos.


cyt: Nynpha existiu, de fato, ou é ficção?


RP: Pretendi empurrar para bem distante a lembrança da personagem, por isso a sétima avó. Como seu nome é citado, entendo que este fato a aproximou bastante da vida da personagem. Se observar, há uma relação entre o nome Nympha e a ideia das ninfas do Tejo, entidades que inspirariam os escritores. Espero e desejo que o leitor possa apreciar o conto com total liberdade.


Clique aqui para ler a resenha sobre o livro Manuscritos em Grafite

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